A relação que Laci e Fernando tinham acabado de inaugurar nortearia, de modo marcante, o futuro da dupla tanto dentro quanto fora do Exército. A amizade já durava quase dois anos quando, em 1997, eles resolveram sair do alojamento militar para morar juntos numa república. Mais tarde, mudaram para um apartamento. A proximidade entre os dois passou a despertar a atenção dos companheiros de quartel, inclusive de seus superiores. Ao que tudo indicava, ali poderia haver mais que uma amizade. Fernando e Laci, no entanto, garantiam ser apenas grandes amigos.
Na semana passada, isso mudou. Em entrevista a ÉPOCA, eles assumiram que, desde que se mudaram do alojamento do batalhão para a república, em 1997, vivem uma relação amorosa. É o primeiro caso de militares da ativa do Exército Brasileiro que, além de assumirem ser homossexuais, admitem uma relação estável e, mais que isso, mostram a cara. “Nós somos um casal e mantemos uma relação estável há mais de dez anos”, diz Laci, hoje com 36 anos. Com voz empostada e marcada por rompantes, ele não economiza nos movimentos com as mãos. O pé direito, elevado pelo cruzar de pernas, se mexe sem parar. A sandália de borracha parece viva de tanto que balança. Laci gosta de falar. Ele prossegue contando como é a vida com Fernando. “Até no cartão de crédito nós temos o outro como dependente”, diz. “É tudo como um casal normal”, emenda Fernando, de 34 anos.
Hoje, os sargentos De Araújo, nome de guerra de Laci, e Alcântara (Fernando) vivem num apartamento funcional das Forças Armadas, na Asa Norte de Brasília. Ali, assim como no quartel, destoam do restante da tropa. Eles parecem exóticos em comparação com os vizinhos. Os demais apartamentos são ocupados por famílias compostas de homem, mulher e, em muitos casos, crianças. “Nosso caso é diferente”, afirma Laci. “Nós não assumíamos a relação antes, mas com certeza os vizinhos desconfiavam”, diz Fernando.
O sargento, freqüentador de academias de ginástica, cabelo sempre aprumado à base de gel, diz que descobriu ser homossexual durante o curso de formação, em Minas Gerais. Apaixonou-se por um colega de turma. “Foi um amor platônico... Ele passou a ser um grande amigo. Na formatura, quando decidi contar, ele respondeu que eu estava confundindo as coisas”, afirma. Fernando diz ser homossexual. Laci, por sua vez, se diz bissexual. “Eu tenho certeza de que a pessoa não vira gay, ela já nasce gay. Mesmo gostando também de homens, até certa idade eu só tive namoradas. Depois é que eu resolvi me relacionar com pessoas do mesmo sexo”, afirma. O sargento, dedos cheios de anéis (“São mantras, para me proteger e para proteger as pessoas que vivem à minha volta”), faz sobrancelha, usa cremes anti-envelhecimento e tira a barba com cera. Ele diz não ter dúvidas de que o Exército, pelas peculiaridades da vida no quartel, se torna atraente para os homossexuais. “Existe coisa melhor para um homossexual do que tomar banho com um monte de homem pelado e sarado? Para um gay, as Forças Armadas são um paraíso”, afirma. “Há muito mais homossexual no Exército do que se imagina. O problema é que muitos são enrustidos. Eu mesmo já fui cantado e assediado várias vezes, até por um general”, diz Fernando, ou sargento Alcântara. Os dois mesmos, até dias atrás, não assumiam publicamente. Eles dizem que nem suas famílias sabiam. “Vão saber agora, com esta entrevista”, afirma Fernando. Ambos são de famílias conservadoras. Fernando diz que sua mãe é católica fervorosa. Laci tem um irmão padre.
“Para um gay, as Forças Armadas são um paraíso”, diz Laci.
“No Exército há muito mais do que se imagina”
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